Lenda Yorubá – Sem Exu não se faz nada -
Os Orixás têm origem cultural Africana.
Na Umbanda os Orixás são tratados de uma maneira diferente daquela do Candomblé.
Umbanda é uma religião, Candomblé é outra religião em algum momento elas se encontram e tem algo em comum, como a mediunidade e o culto de Orixás em si.
O Candomblé tem estrutura diferente da Umbanda, com olhar mitológico para a vida, tudo é explicado por meio de mitologia, ou seja, de lendas.
A título de curiosidade, vamos citar algumas lendas do Candomblé por meio das quais se explicam os Orixás:
Tudo tem origem em Olorum – Oló – Orum: Oló = Senhor/ Orum = céu. Olorum é Deus, é o Senhor do Céu e, também, é chamado de Olodumare, que é o “Senhor supremo dos nossos destinos”.
Olorum criou o primeiro dos Orixás, o mais velho dos Orixás: Oxalá. E deu a Oxalá a incumbência de criar o mundo.
Deu a Oxalá um saco chamado “o saco da criação” e disse a ele:
- “Com esse saco, você vá e crie o mundo”.
Oxalá sai do Orum que é o céu em direção ao Ayê que é a Terra, ou se preferir, ele sai do lado interno da criação para o lado externo ou lado exterior de Olorum para criar o mundo.
Oxalá é o primeiro dos Orixás, mas quando ele sai para o Ayê, Exu já existia. Exu já estava lá, muito provavelmente, porque Oxalá é o primeiro dos Orixás a habitar esse universo, mas Exu é alguém que existe antes do universo ser criado.
Oxalá é o primeiro a surgir numa ordem cronológica, ou seja, na linha do espaço e do tempo em que Oxalá é o próprio espaço que faz par com o tempo. Exu existe antes do espaço e do tempo serem criados.
Oxalá é o espaço, Exu é o vazio que existia antes da plenitude de Oxalá ocupá-lo, por isso Exu já estava lá.
E Oxalá saindo do Orum vem para o Ayê, Oxalá cruza, Oxalá vem descendo, Oxalá vem descendo em linha, imaginariamente vertical, Oxalá desce do Orum para o Ayê, de cima para baixo e ele cruza a linha divisória que separa o Ayê do Orum, nesse momento nós temos a primeira encruzilhada da criação. A encruzilhada em que Oxalá desce na vertical cruzando a horizontal que separa Orum e Ayê e na primeira encruzilhada da criação está Exu.
Oxalá sai do Orum para o Ayê e não oferenda o Orixá Exu. Exu, senhor da magia, então, vendo que não foi oferendado por meio de um feitiço, ele faz com que Oxalá comece a sentir sede e, ao chegar no Ayê, Exu coloca uma palmeira cheia de vinho.
Oxalá pega seu cajado chamado “Opachorô” e Oxalá fura a palmeira e o que sai é vinho.
Oxalá começa a beber, Oxalá fica embriagado, cai embriagado do lado da palmeira, Exu vem e rouba o saco da criação, o entrega ao irmão de Oxalá, que a essa altura já existe: É Odudua. E disse pra Odudua:
- “Oxalá dormiu. Você não quer cumprir as ordens de Olorum e criar o mundo?” Odudua pega o saco da criação e cria o mundo e todas as coisas. Quando Oxalá acorda o mundo já está criado.
Oxalá vai até Olorum e explica a situação ao seu pai.
Olorum lhe diz:
- “Então meu filho lhe darei outra incumbência. O mundo já está criado e eu lhe dou agora a responsabilidade de criar os homens, modelar homens e mulheres. Faça isso a partir do barro”.
Oxalá volta para o Ayê, se estabelece no Ayê, faz uma casinha, coloca o seu forno, pega do barro, modela o homem, modela a mulher, põe no forno, mas quando ele tira do forno, o homem e a mulher feitos de barro modelado por Oxalá, eles não tem vida.
Oxalá mais uma vez chama Olorum e fala:
- “Meu Pai, fiz tudo como o Senhor mandou, modelei, os fiz do barro, mas eles não têm vida”.
Olorum ou Olodumare diz a Oxalá:
- “Preste atenção, vou fazer uma vez para você ver como é”:
Chega pertinho do homem e (assopra) lhe dá o sopro da vida.
Assim surgem os homens e as mulheres modelados por Oxalá, mas que receberam o sopro da vida de Olorum.
Diz-se que Oxalá ainda estava um pouco embriagado e é por isso que uns saem mais queimados, outros saem menos queimadinhos, alguns saem mais gordinhos, outros saem menores, outros maiores e ninguém sai muito igual porque Oxalá estava um pouquinho embriagado.
Essa é a maneira Nagô Yorubá de ensinar sobre os Orixás, não é pra dizer que Exu é um egocêntrico, não é pra dizer que Exu é ladrão que roubou o saco da criação, é para dizer que: até Oxalá antes de fazer qualquer coisa ou quando passar numa encruzilhada tem que saldar reverenciar e oferendar Exu. Até Oxalá oferenda Exu, então, por que é que você não quer oferendar?
Por que você não oferendaria Exu em primeiro lugar, se até Oxalá tem que oferendar.
É pra isso que servem as lendas. As lendas nos dizem sobre o perfil dos Orixás, que Oxalá é um modelador, a lenda diz que você não vê Exu, mas ele está lá e chega em primeiro lugar.
Essa mesma lenda diz que Oxalá estabelecido no Ayê começa a receber visitas de muitos Orixás. Todos os Orixás querem visitar o mais velho dos Orixás porque ele é considerado o mais sábio, está fazendo os homens, mas Exu vai morar com Oxalá.
Oxalá recebe Exu com os braços abertos, isso quer dizer que Oxalá, também, é o Orixá do perdão.
Oxalá, ou porque é muito velho, ou porque é muito esquecido ou simplesmente porque perdoa, não se lembra das falhas de Exu ou simplesmente é a sua qualidade, a sua característica, o seu mistério de perdoar nossas falhas, os nossos erros ao mesmo tempo em que nos dá a responsabilidade de corrigi-los fazendo o bem, edificando, construindo.
Assim, Exu é recebido por Oxalá, mas Exu naquele momento se oferece pra trabalhar pra Oxalá, então, Oxalá o recebe como um trabalhador, como um auxiliar.
Exu se torna o amigo de Oxalá, o morador da casa de Oxalá, ele diz:
“Peça o que quiser, estou aqui para servi-lo”.
Oxalá muito agradecido, mostra pra Exu que antes de chegar na sua casa tem uma encruzilhada e Oxalá dá aquela encruzilhada de presente pra Exu morar. A partir daí Exu passa a morar na encruzilhada e ninguém mais chega na casa de Oxalá sem passar pela casa de Exu.
A partir desse momento e essa lenda é feita pra explicar isso, sempre que alguém vai visitar Oxalá antes deve fazer um agrado pra Exu.
Um dia, Oxalá é visitado por Orunmilá.
Orunmilá é o Orixá da revelação, Orixá que conhece presente, passado e futuro. Orunmilá é o Orixá do oráculo, do oráculo de Ifá, é o Orixá ao qual se dedicam os sacerdotes, os Babalôs. Orunmilá vai visitar Oxalá e diz que quer um filho, que Oxalá lhe faça um filho homem.
Oxalá é muito lento, Oxalá é muito devagar ou talvez Oxalá tenha seu próprio tempo que não é muito compreendido por todos os outros Orixás, dentro da mitologia.
Um dia, Orunmilá chega na casa de Oxalá e fala:
- “Você não fez nenhum filho pra mim, então eu quero aquele que está na encruzilhada”. E Oxalá diz:
- “Não, você não vai querer ele como seu filho”
- “Eu quero aquele que está na encruzilhada como meu filho”.
Oxalá, diante da ênfase de Orunmilá em querer aquele que está na encruzilhada que é Exu, lhe diz:
- “ Passe pela encruzilhada e quando estiver ali do lado dele, coloque sua mão sobre a cabeça dele e pense em sua esposa, sua mulher.
“Volte pra casa, encontre sua mulher e ele vai nascer”.
Nove meses depois, nove meses de Orixá, deve ser milênios, na casa de Orunmilá nasce Exu.
E Exu nasce com muita fome porque Exu é o “senhor da boca coletiva”, o que quer dizer que ele fala pela boca de todos os homens, esse é o significado da simbologia, mas metaforicamente, quer dizer que ele tem fome de tudo, ele come de tudo, tudo ele come, quando não tem mais o que comer, ele come porta, ele come a mesa, ele come tudo.
Orunmilá vai até Olorum pedir orientação e Olorum diz:
- “Faça uma oferenda pra Ogum e coloque uma espada”.
No retorno ao seu lar com a espada da oferenda em mãos, Orunmilá chega em casa e vê que Exu comeu tudo, comeu a casa, comeu porta, comeu janela e Exu engoliu a mãe.
Orunmilá começa uma perseguição a Exu e este foge para o Orum, vai para o 1º Orum, para o 2º Orum, para o 3º Orum, fugindo de Orunmilá.
Orunmilá encurrala Exu em algum canto do 9º Orum, são nove Oruns, e ali no canto de Orum Exu diz:
- “Não, não, não papai. Eu devolvo, devolvo tudo, devolvo a mamãe”
Orunmilá diz para ele:
- “Então, por favor, assim se faça”.
Exu lhe devolve a mulher e Orunmilá diz:
- “A partir de hoje você terá o meu agradecimento, vou lhe oferecer um oráculo. Vou lhe dar o Merindilogun, o oráculo de dezesseis búzios, será seu.
“A partir de hoje você pode falar com os homens e as mulheres por meio do jogo de búzios”, que é um oráculo de Exu, é um oráculo dedicado a Exu.
Exu fica muito agradecido e se oferece para servir Orunmilá eternamente e lhe dá sua amizade. A partir daí Exu e Orunmilá se tornam melhores amigos.
Isso gerou ciúme numa das esposas de Orunmilá, Oxum.
E nas lendas, os Orixás têm muitas esposas e um é companheiro de uma e é companheiro da outra e numa lenda um é companheiro de uma, e noutra lenda esse um é companheiro de outra porque são lendas e são mitos, eles não são homem e mulher no sentido terreno e porque as divindades têm muitas ligações de energia, de vibração, de simpatia, têm muitas ligações.
Quando se diz que um Orixá é par do outro, não é no sentido homem e mulher como a nossa instituição monogâmica terrena de casamento.
Isso quer dizer par vibratório, de energia, então, uma das esposas de Orunmilá, ou seja, uma daquelas que ele faz par de vibração, Oxum, ficou enciumada.
Ele diz para Oxum:
- “Em tua homenagem minha mulher, meu amor, minha Oxum, as mulheres poderão jogar o jogo de búzios”.
Já que o oráculo de Ifá, que é o oráculo exclusivo de Orunmilá é um oráculo só para homens, para os Babalaôs.
E a partir daí surge o jogo de búzios que é o oráculo mais usado no Candomblé Brasileiro e essa lenda diz que:
“Por meio desse oráculo, Exu fala em nome de todos os Orixás.
“Exu é mensageiro dos Orixás”.
Entenda, Exu é mensageiro dos Orixás, ele não é office-boy, Exu não é um carteiro. Lembre-se:
Exu é senhor da magia, Exu é senhor da encruzilhada, Exu é senhor das passagens, Exu é senhor do vazio, Exu é aquele que surge antes do espaço e do tempo, Exu é aquele que surge antes da razão, do conhecimento, do pensamento. Por isso, ele vem antes de qualquer coisa, ele é o Orixá do vazio.
Oxalá é o primeiro.
Exu é o número zero.
Essas lendas tentam explicar, metaforicamente, porque uma lenda é transmitida por metáforas.
Mitos falam por metáforas. O objetivo é, metaforicamente, falar sobre os Orixás.
Entendam que, nada disso aconteceu. Historicamente, nada disso aconteceu, são mitos e lendas que buscam de uma forma metafórica falar sobre os orixás. Na Umbanda nós temos outra maneira de estudar, mas nós podemos entender vários mitos e lendas dos Orixás e reinterpretá-los sobre a ótica Umbandista.
Texto baseado em uma das aulas do curso de Teologia de Umbanda Sagrada ministrado por Alexandre Cumino.
Anna Pon
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