terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Lenda Yorubá – Sem Exu não se faz nada







Lenda Yorubá – Sem Exu não se faz nada -


Os Orixás têm origem cultural Africana.

 Na Umbanda os Orixás são tratados de uma maneira diferente daquela do Candomblé.
Umbanda é uma religião, Candomblé é outra religião em algum momento elas se encontram e tem algo em comum, como a mediunidade e o culto de Orixás em si. 

O Candomblé tem estrutura diferente da Umbanda, com olhar mitológico para a vida, tudo é explicado por meio de mitologia, ou seja, de lendas. 

A título de curiosidade, vamos citar algumas lendas do Candomblé por meio das quais se explicam os Orixás:

Tudo tem origem em Olorum – Oló – Orum: Oló = Senhor/ Orum = céu. Olorum é Deus, é o Senhor do Céu e, também, é chamado de Olodumare, que é o “Senhor supremo dos nossos destinos”. 

Olorum criou o primeiro dos Orixás, o mais velho dos Orixás: Oxalá. E deu a Oxalá a incumbência de criar o mundo.
Deu a Oxalá um saco chamado “o saco da criação” e disse a ele:
- “Com esse saco, você vá e crie o mundo”.
Oxalá sai do Orum que é o céu em direção ao Ayê que é a Terra, ou se preferir, ele sai do lado interno da criação para o lado externo ou lado exterior de Olorum para criar o mundo.
Oxalá é o primeiro dos Orixás, mas quando ele sai para o Ayê, Exu já existia. Exu já estava lá, muito provavelmente, porque Oxalá é o primeiro dos Orixás a habitar esse universo, mas Exu é alguém que existe antes do universo ser criado.
Oxalá é o primeiro a surgir numa ordem cronológica, ou seja, na linha do espaço e do tempo em que Oxalá é o próprio espaço que faz par com o tempo. Exu existe antes do espaço e do tempo serem criados.
Oxalá é o espaço, Exu é o vazio que existia antes da plenitude de Oxalá ocupá-lo, por isso Exu já estava lá.
E Oxalá saindo do Orum vem para o Ayê, Oxalá cruza, Oxalá vem descendo, Oxalá vem descendo em linha, imaginariamente vertical, Oxalá desce do Orum para o Ayê, de cima para baixo e ele cruza a linha divisória que separa o Ayê do Orum, nesse momento nós temos a primeira encruzilhada da criação. A encruzilhada em que Oxalá desce na vertical cruzando a horizontal que separa Orum e Ayê e na primeira encruzilhada da criação está Exu.
Oxalá sai do Orum para o Ayê e não oferenda o Orixá Exu. Exu, senhor da magia, então, vendo que não foi oferendado por meio de um feitiço, ele faz com que Oxalá comece a sentir sede e, ao chegar no Ayê, Exu coloca uma palmeira cheia de vinho.
Oxalá pega seu cajado chamado “Opachorô” e Oxalá fura a palmeira e o que sai é vinho.
Oxalá começa a beber, Oxalá fica embriagado, cai embriagado do lado da palmeira, Exu vem e rouba o saco da criação, o entrega ao irmão de Oxalá, que a essa altura já existe: É Odudua. E disse pra Odudua:
- “Oxalá dormiu. Você não quer cumprir as ordens de Olorum e criar o mundo?”  Odudua pega o saco da criação e cria o mundo e todas as coisas. Quando Oxalá acorda o mundo já está criado.
 Oxalá vai até Olorum e explica a situação ao seu pai.
 Olorum lhe diz:
- “Então meu filho lhe darei outra incumbência. O mundo já está criado e eu lhe dou agora a responsabilidade de criar os homens, modelar homens e mulheres. Faça isso a partir do barro”.
Oxalá volta para o Ayê, se estabelece no Ayê, faz uma casinha, coloca o seu forno, pega do barro, modela o homem, modela a mulher, põe no forno, mas quando ele tira do forno, o homem e a mulher feitos de barro modelado por Oxalá, eles não tem vida.
Oxalá mais uma vez chama Olorum e fala:
- “Meu Pai, fiz tudo como o Senhor mandou, modelei, os fiz do barro, mas eles não têm vida”.
Olorum ou Olodumare diz a Oxalá:
 - “Preste atenção, vou fazer uma vez para você ver como é”:
Chega pertinho do homem e (assopra) lhe dá o sopro da vida.
 Assim surgem os homens e as mulheres modelados por Oxalá, mas que receberam o sopro da vida de Olorum.
Diz-se que Oxalá ainda estava um pouco embriagado e é por isso que uns saem mais queimados, outros saem menos queimadinhos, alguns saem mais gordinhos, outros saem menores, outros maiores e ninguém sai muito igual porque Oxalá estava um pouquinho embriagado.
Essa é a maneira Nagô Yorubá de ensinar sobre os Orixás, não é pra dizer que Exu é um egocêntrico, não é pra dizer que Exu é ladrão que roubou o saco da criação, é para dizer que: até Oxalá antes de fazer qualquer coisa ou quando passar numa encruzilhada tem que saldar reverenciar e oferendar Exu. Até Oxalá oferenda Exu, então, por que é que você não quer oferendar?
Por que você não oferendaria Exu em primeiro lugar, se até Oxalá tem que oferendar.
É pra isso que servem as lendas. As lendas nos dizem sobre o perfil dos Orixás, que Oxalá é um modelador, a lenda diz que você não vê Exu, mas ele está lá e chega em primeiro lugar.
Essa mesma lenda diz que Oxalá estabelecido no Ayê começa a receber visitas de muitos Orixás. Todos os Orixás querem visitar o mais velho dos Orixás porque ele é considerado o mais sábio, está fazendo os homens, mas Exu vai morar com Oxalá.
Oxalá recebe Exu com os braços abertos, isso quer dizer que Oxalá, também, é o Orixá do perdão.
Oxalá, ou porque  é muito velho, ou porque é muito esquecido ou simplesmente porque  perdoa, não se lembra das falhas de Exu ou simplesmente é a sua qualidade, a sua característica, o seu mistério de perdoar nossas falhas, os nossos erros ao mesmo tempo em que nos dá a responsabilidade de corrigi-los fazendo o bem, edificando, construindo.
Assim, Exu é recebido por Oxalá, mas Exu naquele momento se oferece pra trabalhar pra Oxalá, então, Oxalá o recebe como um trabalhador, como um auxiliar.
 Exu se torna o amigo de Oxalá, o morador da casa de Oxalá, ele diz:
“Peça o que quiser, estou aqui para servi-lo”.
 Oxalá muito agradecido, mostra pra Exu que antes de chegar na sua casa tem uma encruzilhada e Oxalá dá aquela encruzilhada de presente pra Exu morar. A partir daí Exu passa a morar na encruzilhada e ninguém mais chega na casa de Oxalá sem passar pela casa de Exu.
 A partir desse momento e essa lenda é feita pra explicar isso, sempre que alguém vai visitar Oxalá antes deve fazer um agrado pra Exu.
Um dia, Oxalá é visitado por Orunmilá.
Orunmilá é o Orixá da revelação, Orixá que conhece presente, passado e futuro. Orunmilá é o Orixá do oráculo, do oráculo de Ifá, é o Orixá ao qual se dedicam os sacerdotes, os Babalôs. Orunmilá vai visitar Oxalá e diz que quer um filho, que Oxalá lhe faça um filho homem.
Oxalá é muito lento, Oxalá é muito devagar ou talvez Oxalá tenha seu próprio tempo que não é muito compreendido por todos os outros Orixás, dentro da mitologia.
Um dia, Orunmilá chega na casa de Oxalá e fala:
 - “Você não fez nenhum filho pra mim, então eu quero aquele que está na encruzilhada”. E Oxalá diz:
 - “Não, você não vai querer ele como seu filho”
- “Eu quero aquele que está na encruzilhada como meu filho”.
Oxalá, diante da ênfase de Orunmilá em querer aquele que está na encruzilhada que é Exu, lhe diz:
- “ Passe pela encruzilhada e quando estiver ali do lado dele, coloque sua mão sobre a cabeça dele e pense em sua esposa, sua mulher.
 “Volte pra casa, encontre sua mulher e ele vai nascer”.
Nove meses depois, nove meses de Orixá, deve ser milênios, na casa de Orunmilá nasce Exu.
E Exu nasce com muita fome porque Exu é o “senhor da boca coletiva”, o que quer dizer que ele fala pela boca de todos os homens, esse é o significado da simbologia, mas metaforicamente, quer dizer que ele tem fome de tudo, ele come de tudo, tudo ele come, quando não tem mais o que comer,  ele come porta, ele come a mesa, ele come tudo.
Orunmilá vai até Olorum pedir orientação e Olorum diz:
- “Faça uma oferenda pra Ogum e coloque uma espada”.
No retorno ao seu lar com a espada da oferenda em mãos, Orunmilá chega em casa e vê que Exu comeu tudo, comeu a casa, comeu porta, comeu janela e Exu engoliu a mãe.
Orunmilá começa uma perseguição a Exu e este foge para o Orum, vai para o 1º Orum, para o 2º Orum, para o 3º Orum, fugindo de Orunmilá.
Orunmilá encurrala Exu em algum canto do 9º Orum, são nove Oruns, e ali no canto de Orum Exu diz:
- “Não, não, não papai. Eu devolvo, devolvo tudo, devolvo a mamãe”
Orunmilá diz para ele:
 - “Então, por favor, assim se faça”.
Exu lhe devolve a mulher e Orunmilá diz:
 - “A partir de hoje você terá o meu agradecimento, vou lhe oferecer um oráculo. Vou lhe dar o Merindilogun, o oráculo de dezesseis búzios, será seu.
 “A partir de hoje você pode falar com os homens e as mulheres por meio do jogo de búzios”, que é um oráculo de Exu, é um oráculo dedicado a Exu.
Exu fica muito agradecido e se oferece para servir Orunmilá eternamente e lhe dá sua amizade. A partir daí Exu e Orunmilá se tornam melhores amigos.
Isso gerou ciúme numa das esposas de Orunmilá, Oxum.
E nas lendas, os Orixás têm muitas esposas e um é companheiro de uma e é companheiro da outra e numa lenda um é companheiro de uma, e noutra lenda esse um é companheiro de outra porque são lendas e são mitos, eles não são homem e mulher no sentido terreno e porque as divindades têm muitas ligações de energia, de vibração, de simpatia, têm muitas ligações.
Quando se diz que um Orixá é par do outro, não é no sentido homem e mulher como a nossa instituição monogâmica terrena de casamento.
 Isso quer dizer par vibratório, de energia, então, uma das esposas de Orunmilá, ou seja, uma daquelas que ele faz par de vibração, Oxum, ficou enciumada.
Ele diz para Oxum:
- “Em tua homenagem minha mulher, meu amor, minha Oxum, as mulheres poderão jogar o jogo de búzios”.
Já que o oráculo de Ifá, que é o oráculo exclusivo de Orunmilá é um oráculo só para homens, para os Babalaôs.
E a partir daí surge o jogo de búzios que é o oráculo mais usado no Candomblé Brasileiro e essa lenda diz que:
 “Por meio desse oráculo, Exu fala em nome de todos os Orixás.
“Exu é mensageiro dos Orixás”.
Entenda, Exu é mensageiro dos Orixás, ele não é office-boy, Exu não é um carteiro. Lembre-se:
Exu é senhor da magia, Exu é senhor da encruzilhada, Exu é senhor das passagens, Exu é senhor do vazio, Exu é aquele que surge antes do espaço e do tempo, Exu é aquele que surge antes da razão, do conhecimento, do pensamento. Por isso, ele vem antes de qualquer coisa, ele é o Orixá do vazio.
Oxalá é o primeiro.
Exu é o número zero.
Essas lendas tentam explicar, metaforicamente, porque uma lenda é transmitida por metáforas.
Mitos falam por metáforas. O objetivo é, metaforicamente, falar sobre os Orixás.
Entendam que, nada disso aconteceu. Historicamente, nada disso aconteceu, são mitos e lendas que buscam de uma forma metafórica falar sobre os orixás. Na Umbanda nós temos outra maneira de estudar, mas nós podemos entender vários mitos e lendas dos Orixás e reinterpretá-los sobre a ótica Umbandista.

Texto baseado em uma das aulas do curso de Teologia de Umbanda Sagrada ministrado por Alexandre Cumino.
Anna Pon

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Quimbanda com “Q” e Kimbanda com “K”

Hoje em dia se fala assim:

Quimbanda com “Q” e Kimbanda com “K”.

A palavra Kimbanda vem da língua Kimbundu, é uma língua falada em Angola.
Em Angola havia a figura do Kimbanda, o Xamã Angolano, esse Kimbanda se escreve com “K”.

A Kimbanda angolana é considerada Xamanismo. Trabalha com Tatás, Yaias, divindades, espíritos, fórmulas mágicas, rezas. Essa prática Xamanica angolana é chamada de “Umbanda”.

A palavra Umbanda também existe em Angola e define a prática religiosa do Kimbanda, mas é  diferente de nossa Umbanda brasileira. Em Angola não existe culto aos Orixás.

O Kimbanda angolano não sofreu influencia do Cristianismo e nem do Espiritismo, portanto é uma prática totalmente diferente de nossa Umbanda brasileira.

É diferente ainda, a prática do Kimbanda, do Candomblé de Angola que é outra forma/estrutura, religiosa.

No Brasil surgiu a Quimbanda, com Q, a fim de designar os trabalhos de Esquerda da Umbanda.

Hoje em dia a língua oficial em Angola é o Português, poucas pessoas falam o Kimbundu. É importante ressaltar a questão da palavra para dizer:

 “A origem da religião de Umbanda não está no mesmo lugar da origem da palavra Umbanda”.

Os Terreiros de Quimbanda são assim denominados por trabalharem, exclusivamente, com a linha de Esquerda da Umbanda ( Exus – Pomba Giras), nem por isso significa dizer que trabalhem para o mal.

Existem, porém, outros terreiros, casas, onde se pratica a magia negra e esse trabalho é também chamado de Quimbandeiro.

O primeiro Umbandista a comparar Exus com demônios e os colocar como servos do mal ou algo muito parecido com a magia negra Européia, os demônios fazem parte da magia negra Européia, foi Aluízio Fontenelle.

Em seu livro “Exu” publicado em 1951, ele traz a magia negra Européia, a compara com Exu e Pomba Gira, faz um sincretismo de demônios com Exus e aí surge a estrutura da Quimbanda que trabalha com magia negra e Exu ao mesmo tempo, dando nomes de Exus aos demônios, usando símbolos e signos da magia negra Européia surgindo assim a Quimbanda Brasileira com estrutura de magia negra Européia.

Não se pode confundir essa com outra Quimbanda ainda, também com “Q” que é a Esquerda da Umbanda.

A essas alturas podemos entender a razão pela qual o termo Kimbanda e Quimbanda geram tanta confusão e mal entendidos porque temos:

Kimbanda = Xamanismo Africano que pratica o bem.
Quimbanda = Esquerda da Umbanda.
Quimbanda = Terreiros que trabalham apenas com a Esquerda.

E há quem pratique magia negativa ou magia negra usando os nomes das entidades da Esquerda, de Exu, de Pomba Gira, classificando isso como um trabalho de Quimbanda.

Assim como é muito difícil definir um bom trabalho de Umbanda, tentar definir a Quimbanda é tão ou mais difícil. A separação do joio do trigo é uma tarefa bastante árdua.

Quem é o Caboclo Quimbandeiro?

É um Caboclo de Esquerda?

Preto Velho Quimbandeiro, é um Preto Velho de Esquerda?

Caboclo Quimbandeiro é um Caboclo que trabalha junto com a Esquerda, é um Caboclo que tem especialidade em cortar demanda.

Existem linhas de Caboclos que são consideradas Linhas clássicas enquanto Caboclo Quimbandeiro como Caboclo Pantera Negra, em Terra, geralmente vem voltado só pra quebrar demanda, desmanchar trabalho de magia negativa, não é comum ver um Caboclo Pantera Negra dando consulta.

Temos Caboclos que são Caboclos demandadores, que muitas vezes passam a ser tidos como Caboclos Quimbandeiros e temos também os Caboclos Africanos, principalmente, a Linha de Arranca:  Arranca Mata, Arranca Mar. Os Caboclos que trazem esse nome “Arranca” são todos eles muito demandadores e considerados um pouco Quimbandeiros como o próprio Caboclo Cobra Coral, Caboclo da Pedra Preta, como o Caboclo Arranca Toco, Caboclo Ventania, Caboclo Ubirajara Peito de Aço, Caboclos Quimbandeiros no sentido da palavra: de demandadores.

 Preto Velho Quimbandeiro são aqueles Pretos Velhos que vem nessa força, de trabalhar junto com a Esquerda e de trabalhar quebrando demanda, o Preto Velho Quimbandeiro mais conhecido ou aquele Preto Velho que é considerado o mais demandador, o mais cortador de demanda porque é, não que isso faça dele mais ou menos do que os outros Pretos Velhos, mas porque é uma especialidade, é o “Preto Velho Rei do Congo”.

O Rei do Congo está para os Pretos Velhos Quimbandeiros, assim como Pantera Negra está para os Caboclos Quimbandeiros.
 Ou Preto Velho “Pai Cipriano” que faz lembrar aquelas questões relativas ao “Livro de São Cipriano”.
 O livro de São Cipriano é considerado um livro de magia negra, mas no livro de São Cipriano a primeira coisa que você lê é a história de São Cipriano e a história de São Cipriano é linda, é uma história que conta que antes ele praticava magia negra, o Cipriano, mas em algum momento ele tentou pela magia negra converter uma Cristã e convencê-la por meio da magia a se casar com alguém, é aquilo que hoje se chama trabalho de amarração.

Talvez, na Quimbanda, se trabalhe com alguns Exus que apareciam muito na Umbanda do passado e que hoje não aparecem muito nos Terreiros de Umbanda como: Exu Gargalhada, Exu do Pó, Exu do Ouro, que são Exus que militam na religião de Umbanda, mas que há trabalhos voltados especificamente para a Esquerda, um trabalho voltado só para a Esquerda pode ser considerado, sim, um trabalho de Quimbanda com “Q”, desde que, não se confunda com magia negra.

Isto é a Kimbanda Africana, a Quimbanda da Umbanda e a Quimbanda sincretizada com a magia negra Europeia.
Logo podemos considerar que há algo da Quimbanda que faz parte da Umbanda, mas Umbanda não é Quimbanda, não se resume em Quimbanda. Mas, temos sim, a nossa Esquerda como trabalhadores que podem ser chamados e considerados: Exu e Pomba Gira trabalhadores de Quimbanda, no bom e nobre sentido da palavra.

Annapon
19.11.2014

(Texto baseado no Curso de Teologia de Umbanda Sagrada – Desenvolvido por Rubens Saraceni – Ministrado por Alexandre Cumino)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

A Vitalidade – Orixá Exu – Cultura Yorubá

Exu é uma divindade como todas as outras, todas as divindades tem origem em Deus, mas a origem cultural de Exu é Africana, Nagô Yorubá.

Na África, os Orixás aparecem na cultura Nagô Yorubá, cultura essa que fala a língua dos Orixás e que é a língua Yorubá, é uma cultura mitológica que explica o mundo, a religião, a fé, a forma de se relacionar com o sagrado, tudo é explicado por meio de mitos – os mitos são relatos.

Relatos estes que nos dão pistas de como entender a vida, entender as coisas por meio do auxílio de arquétipos e das divindades que se manifestam por esses arquétipos. A região que corresponde a essa cultura é a região da Nigéria, no passado cada Orixá tinha uma nação correspondente, uma cidade na qual ali estava o seu culto.

O culto de “Oxalá”, de Obatalá, que é Oxalá, o culto de Oduduá estava na cidade de Ifé – Ilê Ifé; o culto de “Xangô” e de “Yansã” estava em Oyó; o culto de “Oxum” estava em Ijexá; o culto de “Ogum” estava em Irê; o culto de “Oxóssi” estava em Ketu e o culto de “Exu” estava em todos os lugares.

Na África existiam Templos dedicados aos Orixás em cada lugar, mas Exu ninguém sabe dizer qual a cidade ou a nação original ao culto de Exu porque Exu é cultuado em todas as nações, Exu é cultuado em todos os lugares.

Exu é tão importante, que nos mitos, nas lendas, até Oxalá deve oferendar Exu antes de realizar algo e isso é descrito no mito fundante da cultura Nagô Yorubá em que Olorum ou Olodumare que é Deus, chama Oxalá e lhe dá a incumbência de criar o mundo, lhe dá o saco da criação e Oxalá sai do Orum que é o céu para o Ayê que é a Terra com o saco da criação nas mãos.

Oxalá está saindo do Orum para o Ayê então ele está, vamos imaginar esse movimento, saindo do Ayê e descendo para o Orum, vamos imaginar que isto é uma descida vertical, em algum momento há um limiar em que se separa o que está no Orum daquilo que está no Ayê, o que está em cima, o que está embaixo.

Graficamente falando, porque no espaço não há o que está em cima, o que está embaixo. Você precisa ter a terra, o chão, a gravidade e um ponto de referência, mas, aqui temos duas coisas, uma relativa à outra: Orum e Ayê.

 E alguém sai do Orum para o Ayê, Oxalá faz a descida para o Ayê, se é uma descida, na vertical, ele cruza o limiar que está na horizontal. Imagine que a descida na vertical de Oxalá cruzando o limiar, ali faz surgir um ponto na criação que é uma encruzilhada, ali já está Exu.

Por isso que se diz “Oxalá é o mais velho dos Orixás”, mas, no momento em que ele faz essa ida do lado interno da criação/do céu/do Orum para o Ayê, ele que é o mais velho se depara com Exu que já estava lá.

Exu é o mais controverso dos Orixás, se diz que “Ele pega hoje, a pedra que vai tacar amanhã”. Exu faz o certo ficar errado e o errado ficar certo porque ele lida com a nossa dualidade, com a dualidade humana. E ali Oxalá sai com o saco da criação e Exu que é “Senhor da Encruzilhada” que está lá vendo Oxalá passar, Oxalá talvez por ser muito velho, talvez por ser o primeiro, talvez por ser o mais esquecido dos Orixás não fez oferenda a Exu.

Exu, que é também “Senhor da magia”, fez com que Oxalá tivesse muita sede e ali, onde Oxalá vai criar o mundo, Exu coloca uma palmeira e Oxalá fura a palmeira para beber o liquido que está lá dentro, Exu colocou vinho e Oxalá se embriaga desse vinho.

 Exu toma o saco da criação.

 Quando Oxalá acorda, o mundo está criado porque uma dormidinha de Oxalá deve durar milênios e vai até Olorum e diz: “Senhor, meu Pai, veja o que me aconteceu” – isso é mito, isso nunca aconteceu historicamente, isso é um mito pra ensinar coisas sobre os Orixás, pra dar mensagens sobre os Orixás, é para lhe dizer que se até “Oxalá precisa oferendar Exu antes de realizar uma empreitada por que é que você não vai oferendar?”.

 É para lhe dizer que “Exu”, esse Orixá que sofre um preconceito terrível, é um Orixá assim como os outros, da mesma estatura, do mesmo escalão, da mesma altura, do mesmo tamanho, da mesma importância, com os mesmos valores que Oxalá, Oxum, Osóssi, Xangô, Obaluayê, Nanã, Yemanjá e que ele já estava lá no primórdio dos tempos, antes que existisse o tempo e o espaço, antes do mundo existir, Exu já estava lá junto de Oxalá. Ele é “senhor das Encruzilhadas”, “Senhor dos mundos”, ele é o “Senhor da magia”.

Olorum diz a Oxalá: vou lhe dar a incumbência de criar os homens, você se estabeleça na terra e ali você vai criar os homens do barro, Oxalá vai criar o homem e a mulher do barro.

 Daí se diz que Oxalá faz o homem e a mulher de barro e coloca no forno, é dito que ele ainda estava um pouco embriagado, por isso que tem um que sai mais escurinho, outros menos queimadinhos, outros mais clarinhos, mais gordinhos, outros mais magrinhos porque Oxalá ainda estava meio embriagado e é um tabu a relação de Oxalá com bebida alcóolica, é uma maneira de explicar, de relacionar ou dizer “bebidas alcóolicas não combinam bem com a energia de Oxalá.

Oxalá se estabelece e começa a criar os homens a partir do barro, todos os Orixás visitam Oxalá porque Oxalá é importante na cultura Africana, o mais velho é muito respeitado, todos vão visitar o mais velho, todos visitam, todos os Orixás visitam Oxalá pra aprender um pouco, pra absorver a sua sabedoria, mas Exu chega à casa de Oxalá “de mala e cuia”, Exu chega para morar com Oxalá e isso nos mostra que Oxalá é Orixá do perdão, ele recebe Exu de portas abertas como igual, como um irmão.

 E Exu se oferece pra trabalhar com Oxalá porque se todos vão visitar Oxalá pra aprender alguma coisa, Exu vai morar com Oxalá pra aprender mais do que todos os outros porque Exu é muito sabido, Exu é muito esperto, ele vai morar com Oxalá até ao ponto de que Oxalá fica tão agradecido a Exu que Oxalá diz assim, olha: “Antes de chegar à minha casa por esse caminho tem uma encruzilhada, eu vou lhe dar aquela encruzilhada de presente, ninguém mais chega à minha casa sem passar por aquela encruzilhada. Agora você mora na encruzilhada”, então Exu que já é o “Senhor das Encruzilhadas dos mundos” ganha a encruzilha de Terra, a encruzilhada na Terra de Oxalá.

A encruzilhada simboliza os momentos na nossa vida em que nós estamos sem saber por aonde ir e nesses momentos Exu está lá.

 Oxalá dá a encruzilhada pra Exu e agora ninguém chega à casa de Oxalá sem passar pela casa de Exu e ninguém visita um Orixá, que é alguém muito importante, sem levar um agrado, uma prenda, um presente – agrado pra Orixá é oferenda – então, ninguém mais chega à casa de Oxalá sem oferendar Exu.

O correto é: sempre que for fazer algo pra qualquer Orixá antes fazer um agrado pra Exu, fazer uma oferenda pra Exu.

Exu é aquele que abre os caminhos, é aquele que transporta o axé, que potencializa que dá força, vigor, energia.

 Exu guarda a encruzilhada dos mundos, a encruzilhada da vida, a encruzilhada do caminho.

. Diz ainda esse mito que Orumilá, “Senhor de Ifá”, da revelação, queria um filho homem e vai a casa de Oxalá e Oxalá diz que não tem, que não fez ainda um filho para Orumilá. Então, Orumilá diz “Eu quero como filho aquele que está na encruzilhada” e Oxalá ainda diz “Não, você não vai querer aquele”, ele diz “Eu vou querer aquele” e é Exu.

 Oxalá diz “Passe pela encruzilhada, coloque a mão na cabeça dele e vá pra sua casa e encontre uma de suas esposas – que Orumilá tinha muitas esposas, a cultura Nagô é uma cultura onde normalmente os homens tinham muitas mulheres e ai com uma das suas esposas ele tem então um filho e nasce Exu na casa de Orumilá.

Exu nasce na casa de Orumilá sem sair da encruzilhada de Oxalá, Exu está na encruzilhada de Oxalá sem ter saído das encruzilhadas dos mundos, Exu se multiplica, Exu é múltiplo – são muitos.

E Exu nasce com uma fome voraz, Exu é a boca coletiva, ele fala por todas as bocas e ele come por todas as bocas, por isso ele é a boca coletiva, ele tem fome e ele come tudo que tinha pra comer.

Orumilá não sabe mais o que fazer e consulta o oráculo, consulta Olorum, Olorum lhe diz pra voltar pra casa fazer uma oferenda pra Ogum e voltar pra casa com a espada. Quando ele chega a casa, Exu comeu tudo o que tinha de comer, depois começou a comer tudo mais que ali havia, comeu porta, comeu janela, comeu parede, comeu cadeira, comeu tudo, devorou, engoliu aquela realidade inteira e comeu a mãe, engoliu a mãe e Orumilá fica furioso, vai atrás de Exu e persegue Exu por todos os Oruns, são nove Oruns.

Exu fugiu para o Orum, ou seja, nove céus e Exu em cada Orum que passa, vai se multiplicando e os outros Orixás estão nos Oruns, Exu passa por Xangô e ai fica “Exu de Xangô”, passa por Yemanjá e ali fica “Exu de Yemanjá”, Exu passa por Oxóssi e ali fica “Exu de Oxóssi”, Exu passa pela porteira e fica ali “Exu da Porteira”, passa pela porta fica “Exu da Porta”, Exu entra por um caminho e ali surge “Exu dos Caminhos”, Exu entra na mata surge “Exu da Mata”, Exu entra na cachoeira surge “Exu da Cachoeira”, Exu se multiplica, pra tudo existe Exu e Exu vai pulando primeiro Orum, para o segundo, para o terceiro, Exu coalha todos os Oruns.

Há Exu pra tudo que existe, pra cada qualidade divina, pra cada divindade, pra cada situação da vida há Exu e Orumilá encurrala Exu com a espada em seu gargomilo, no cantinho do Orum e Exu diz “Não papai, não papai, não me mate, eu lhe devolvo a mamãe”, então Exu devolve a mamãe - que nessa lenda é Oxum, em outras lendas são outras mães – e aí Orumilá fica agradecido e diz pra Exu: “Meu filho, agora meu irmão, meu amigo” Exu é o melhor amigo de Orumilá - Isso é uma lenda, um mito, Orixá não briga, não existe briga de Orixá, cada mito tem uma lenda, uma discussão que é pra você aprender alguma coisa, não é pra você achar que Orixá briga.

Orumilá diz: “Estou muito agradecido a você Exu, lhe quero bem, você é meu melhor amigo, vou lhe dar um oráculo, vou lhe dar o Merindelogun – que quer dizer o “jogo dos dezesseis”, aqui no Brasil é o “jogo de búzios” – vou dar pra você o jogo de búzios – porque o jogo de Ifá é de Orumilá, o “Oráculo de Ifá” – vou lhe dar o jogo de búzios para que você Exu possa se comunicar com os homens, sempre que alguém quiser saber alguma coisa sobre nós, as divindades, sempre que alguém quiser saber sobre presente, passado e futuro, essa pessoa pode jogar os búzios e é você Exu quem vai mexer nos búzios, você que vai responder, você também a partir de agora, Exu, é também – e não “apenas” – mensageiro dos Orixás.

Exu não é apenas “mensageiro dos Orixás”, Exu não é “office boy” dos Orixás, Exu não é carteiro dos Orixás, Exu não é menino de recado dos Orixás. Exu é uma divindade que também é mensageiro dos Orixás porque Exu é benevolente, porque Exu é querido, porque Exu é aquele que quer ajudar, que se dispõe a ajudar, mas que está o tempo todo lidando com o ego do ser humano.

Em todas as lendas há algo que diz respeito ao ego, o ego é humano, a divindade, quando numa lenda reflete o ego, a vaidade é simplesmente pra mostrar, pra dar um recado pra nós encarnados de como lidar com essas questões. Mas, Oxum fica enciumada – é lógico que a divindade não tem ciúmes, mas as filhas de Oxum têm no negativo, bastante ciúme – fica enciumada porque você deu isso a Exu e pra mim? O que tem pra mim, pra me ofertar, pra me agradar? Então, Orumilá diz “Eu darei a você e em sua homenagem, a todas as mulheres a liberdade, o direito de jogar o jogo de búzios”, é por isso - por Oxum - é que as mulheres podem jogar o jogo de búzios também é dito que as filhas de Oxum têm uma relação especial com as questões oraculares.

Estas são lendas pra explicar quem é Exu / o que é Exu / quem é Orixá Exu na cultura Africana Nagô Yorubá. Tudo se explica por meio de lendas, então são lendas e mitos que vão dizendo: porque tem esse valor / porque tem aquele valor, que vão explicar quem é o “Orixá Exu”.

Há uma lenda que diz que todos os Orixás estavam em festa e tudo dava errado naquela festa, as comidas que iam sendo preparadas não ficavam boas, as pessoas discutiam, brigavam no ambiente, tudo dava errado. Então, alguém foi consultar o Oráculo de Ifá e questionar “Por que é que as coisas dão errado”?, a resposta foi: “ tudo dá errado porque Exu não foi convidado”, Exu está do lado de fora - mais uma vez ressaltado “Senhor da magia” – ele está fazendo isso para que tudo dê errado porque vocês não convidaram Exu.

Isso é um mito, uma lenda, uma historinha pra dizer “Você não deve dar uma festa sem antes convidar Exu”. E daí vem outro conceito em que algumas pessoas dizem que “despacha Exu” – “despachar” é mandar embora – então, alguns dizem “Você deve despachar Exu pra ele não atrapalhar”, é justamente o contrário. Nessa lenda Exu atrapalha porque ele não foi convidado a entrar, nós não despachamos Exu no sentido de “mandar embora”, porque se criou o conceito de que Exu atrapalha você manda ele embora. O que atrapalha é você não conhecer Exu, o que atrapalha é você não ter a força de Exu, o que atrapalha é você não ter a proteção de Exu.

Antes de qualquer coisa nós oferendamos Exu, nós saudamos Exu “Laroyê Exu. Exu é Mojubá”, esta é a saudação, a maneira correta de se dizer: “Laroyê Exu. Exu é Mojubá” ou “Mojubá” – “Laroyê” quer dizer, essa palavra não é traduzida ao “pé da letra”, “Laroyê” quer dizer: “Acorda Exu” / “Vamos trabalhar Exu” / “Olha por mim Exu” / “Me guarda Exu”. E “Mojubá” quer dizer: “Eu me curvo perante o seu poder, perante a sua força”, é, dizer “Eu me curvo” é mesma coisa que dizer “Você é grande” / “Você é importante”, por isso alguns dizem “Exu é Mojubá” que quer dizer “Exu é grande” / “Exu é importante” / “Senhor de força, de poder”.

Nós não mandamos Exu embora, nós chamamos Exu pra junto, pra nos proteger, pra nos guardar. Ele lida com a dualidade humana e para isso, há outra lenda Nagô Yorubá que diz que dois amigos trabalhavam a terra, eram vizinhos de propriedade e os dois eram trabalhadores que cuidavam da terra, que plantavam que aravam e etc.

Para eles nada mais importava na vida, apenas a sua amizade de um para com o outro, havia também um ego, um egoísmo, uma idolatria daquela amizade, uma questão humana.

 Diz a lenda, que os dois estavam trabalhando, Exu passou na divisa das propriedades, Exu passou entre os dois amigos com um chapéu na cabeça: metade branco, metade vermelho. Aí um amigo falou para o outro: “Você viu esse homem que passou aqui? Que ousadia passou no meio da nossa propriedade, esse homem com esse chapéu branco” e o outro disse “Não, ele estava vestindo um chapéu vermelho”, “Não, o chapéu era branco”, “Não, o chapéu era vermelho”, eles começaram a discutir porque um viu um lado de Exu branco e o outro viu o outro lado de Exu vermelho.

E eles discutiram porque um foi incapaz de olhar pelo ponto de vista do outro.


Quando você é incapaz de olhar pelo ponto de vista do outro, você está sendo egoísta, você tem uma visão unilateral das coisas e aí é que Exu entra que Exu lida com o ego, com o apego e ele vai mexer com você, ele vai te perturbar, ele não vai perturbar a paz das pessoas, Exu não vai perturbar o que é sagrado, o que é divino, o que é bom, Exu não vai perturbar a sua luz, Exu não vai perturbar aquilo que você tem de bom, Exu vai perturbar o seu ego, o seu apego, Exu vai perturbar as suas trevas interiores, Exu vai lhe tirar do comodismo, desse lugar comum, Exu vai lhe fazer tremer pra você perceber que deve se mexer, sair dessa zona de conforto e entender que a vida é mais, ele é descrito como aquele que perturba aquele que tira a paz, como aquele que é encrenqueiro.

Ninguém arruma encrenca com quem quer a paz, dois não brigam se um não quer, Exu entra onde está o ego do ser humano, é isso que as lendas de Exu tentam mostrar, Exu é o melhor amigo de Orumilá.

Existe ainda outra lenda de Exu contada pelo professor, doutor King no livro sobre lendas de “Odu” e na primeira lenda de Odu, ele conta que Orumilá tinha um filho chamado “Igun” – não é “Egun” e não é “Ogum – chamava-se “Igun”. E que esse filho tinha problemas de saúde, e que Orumilá pediu pra Igun que ele fosse para o Ayê, ali ele ficou morando numa encruzilhada atrás de uma moita e todo dia um sacerdote de Ifá fazia uma oferenda pedindo sorte e ele fazia a oferenda pedindo: “Que a sorte venha pra mim, que a sorte venha pra mim”, cada dia que ele fazia uma oferenda, Igun que estava ali escondido comia - porque a oferenda era feita de comida, gostosa, quentinha, cheirosa – e quando o sacerdote ia embora, Igun comia os elementos da oferenda e cada vez que ele comia, ele se curava, ele ia se curando.

 Isso é pra dizer que tudo aquilo que você pede de bom pra você é compartilhado com quem está junto de você, ao seu redor, próximo. O sacerdote pedia a sorte “Que a sorte venha pra mim”, Igun ficou totalmente curado comendo as oferendas do sacerdote, o que diz que aquelas oferendas são sagradas e divinas.

Igun volta para o Orun e fala para Orumilá “Papai estou curado”, “O que aconteceu com você?”, “Eu me alimentei das oferendas daquele sacerdote e fui me curando” e ele disse “Então, leve presentes pra esse sacerdote”, “Leve pra ele, pra esse sacerdote, a fertilidade, a riqueza, a longevidade e você vai levar a paciência”, “Leve esses presentes para esse sacerdote e diga para ele escolher um” E quando ele chega, Igun vai encontrar o sacerdote e diz para o sacerdote o que aconteceu, diz que se curou e conta para o sacerdote “Meu pai mandou para vós: fertilidade, meu pai mandou para vós riqueza, meu pai mandou para vós longevidade e meu pai mandou a paciência pra você escolher um desses presentes”, então o sacerdote diz: eu não posso escolher isso sozinho, isso é muito importante. Eu preciso consultar os meus filhos, as minhas mulheres, os meus irmãos e o meu melhor amigo.

Esse sacerdote é Orumilá, o seu melhor amigo é Exu.

Igun levou quatro presentes pra Orumilá, o sacerdote.

Ele convida Igun para ir para sua casa, chegando lá ele diz “Mulheres, minhas mulheres aconteceu assim, assim, assim e agora tem aqui quatro presentes.

 Qual eu devo escolher? Eu não posso escolher sozinho, eu vim perguntar a vocês. Qual presente eu devo escolher?”, as mulheres dizem “Escolha a fertilidade porque nós queremos ter muitos filhos com você”, então ele se vira para os seus filhos e pergunta “Meu filhos, o que eu devo escolher?”, eles dizem “Papai, escolha longevidade para o senhor viver muitos anos com a gente”, ele continua sem saber.

Ele pergunta para os seus irmãos “Meus irmãos, qual presente eu devo escolher?” e os irmãos dizem “Escolha a riqueza pra poder dividir com a gente” e ele continua sem saber, então ele chama seu melhor amigo Exu “Meu querido amigo, meu irmão de caminhada, você é quem eu mais confio e que nesses milênios se mostrou a pessoa mais sábia que eu conheço, me diga o que eu devo escolher do que tem aqui: longevidade, fertilidade, riqueza e paciência”, Exu diz “Meu amigo, escolha a paciência” e todos ficaram perplexos “Paciência?” e Exu diz então “Sim. Porque diga a suas mulheres que você já tem filho suficiente, diga a seus irmãos que eles que vão trabalhar para que cada um conquiste o seu próprio dinheiro e diga para os seus filhos que nada mais triste que um pai viver mais e muito mais do que todos os seus filhos.

 E escolha a paciência porque essa é a maior das virtudes e que vai torná-lo o melhor e o maior dos amigos, o melhor e maior pai, marido e irmão, pra todas as pessoas. Algo que o dinheiro, a fertilidade e a longevidade não vão lhe dar” e Igun fica perplexo “Com todos esses presentes, você quer escolher a paciência?”, então, ele vai embora, Igun vai embora levando os outros presentes, ele deu a paciência pra Orumilá e ele vai embora levando os outros presentes consigo.

Essa lenda é pra dizer que Exu lhe dá a “paciência”, que muitas vezes você pede dinheiro, pede outras coisas e às vezes o que Exu tem para oferecer é o contrário do que a maioria das pessoas pensa, Exu tem para oferecer a “paciência”. E vamos entender por que Igun está indo embora com os presentes e diz que, no meio do caminho, a riqueza fala “Igun, Igun, Igun” Igun se assusta, a riqueza fala, está falando com ele “Igun, cadê a paciência?”, “A paciência ficou com Orumilá”, “Ah então eu não vou voltar para casa, eu vou descer dessa sacola e vou lá ficar junto com ele porque sem paciência não tem riqueza”.

Igun vai embora com os outros dois, no meio do caminho a longevidade fala “Igun, Igun onde é que está a paciência?”, ele diz “A paciência está com Orumilá”, “Ah mais sem paciência não tem longevidade”. Mais pra frente se diz (“Igun cadê a fertilidade?”) “Cadê a paciência? a fertilidade diz”, “A paciência está com Orumilá porque sem paciência não tem fertilidade”. Igun volta para casa de Orumilá e diz “Olha, meu pai o que aconteceu” e o pai diz “Está certo meu filho. Quem escolhe riqueza fica só com riqueza, quem escolhe fertilidade fica só com fertilidade, quem escolhe longevidade fica só com longevidade, mas, quem escolhe paciência leva tudo porque quem tem paciência conquista
tudo na vida”.

Exu ensina a “paciência”, isso tem um sentido maior ainda, o sentido maior é: “Quem caminha com Exu deve ter paciência, deve ter muita paciência, mas, muita paciência” Porque paciência aqui é sinal de “confiança”, “tranquilidade”, “esperança”. Tem paciência aquele que confia em Exu, quem caminha com Exu, quem acredita em Exu, quem tem Exu junto de si pode dizer que tem um amigo que vai lhe ajudar a resolver todas as situações da sua vida. Então, você tem problemas? Você tem dificuldade? Você tem situações na vida que vão acabar com sua paciência? Não, se você tem Exu a lhe acompanhar. Se você tem confie a ele a suas dificuldades, os seus problemas e aqueles que não forem resolvidos estão na sua vida para que você aprenda alguma lição.

Não há porque perder a paciência, perder a tranquilidade, perder a sua paz, Exu lhe dá paz, tranquilidade, paciência, Exu caminha junto de você, Exu é e deve ser o seu melhor amigo.

“Orixá Exu” que nos protege, que nos guarda, que nos guia. É um Orixá muito antigo, é uma divindade cultuada há milênios na África, numa cultura totalmente diferente da cultura Ocidental, totalmente diferente da cultura Judaico-cristã.

Exu é “Senhor da fertilidade, do vigor, da vitalidade, da energia”.

Na cultura Nagô Yorubá não existe demônio, não existe diabo na cultura Nagô Yorubá. Exu jamais poderia ser o diabo porque não existe o diabo, Exu é uma divindade. Ele é dual porque ele lida com os aspectos da dualidade na criação, com o ego, com o ser humano, mas não é diabo porque não existe diabo naquela cultura, porque não é uma cultura dualista em que tudo pertence a Deus ou ao diabo.

Exu é uma divindade da cultura Nagô Yorubá que desde que o Cristão pisou naquela terra – e lembre se bem: esse Cristão pisou naquela terra pra escravizar o negro, afirmando que a África era o inferno na Terra e que escravizar o negro era uma benção para o negro porque o corpo ficava escravo, mas eles eram todos batizados e sua alma iria ficar livre em algum momento da eternidade e escapar do inferno – então, são teorias criadas pra justificar o erro, pra justificar a sede de poder.

E na história da igreja Católica, em que a gente conta a “Cruzada”, a gente conta a “Inquisição”, a gente conta a dominação Católica, toda vez que a igreja Católica se deparava com outra religião, ela chamava as divindades daquela outra religião de demônios. Isso é uma receita antiga “demonizar” a religião alheia é uma receita muito antiga e que nós vemos até hoje.

Há quem faça hoje uma “neo-demonização” – “neo” de novo – uma nova maneira de fazer a mesma coisa que sempre fizeram: “demonizar o outro”. É uma receita antiga dizer que o Deus do outro é o demônio, a divindade do outro não é divindade, que você cultua aquilo que não é virtuoso, isso é muito antigo.

 E aí começou a demonização de Exu e desde essa época até hoje ainda é uma dificuldade enorme pra muitas pessoas entenderem o que seja Exu, por isso Exu é o ponto forte e o ponto fraco nas religiões afro-brasileiras e é ponto forte e ponto fraco na Umbanda.

 Se você conhece Exu, você tem essa força para lhe amparar, se você não conhece, além de não contar com essa força, como deveria você que está frágil porque não tem como se defender, como explicar, como entender um mistério da criação, que está aí a seu favor pra lhe amparar, pra lhe guardar, pra lhe proteger, pra lhe dar força, falar sobre ele?

Na cultura Nagô Yorubá, a única opção de religião que havia era a “religião de Orixá” e dentro da religião de Orixá não se faz nada sem antes cultuar Exu, quando surge a afirmação: “de que sem Exu não se faz nada” é que pra tudo que você vai fazer Exu é oferendado primeiro, ele é considerado aquele que abre a porta do “axé”, aquele que carrega o “axé”, aquele que dá a força para que as coisas se realizem.

Quanto à outra afirmação de que “se você não oferenda Exu tudo dá errado na sua vida”, essa informação está relacionada ao fato de que dentro de uma religião de Orixá, onde Exu é o primeiro a ser cultuado, se você nasce nesse universo e sua única opção de religião é essa, porque ali era a única religião que existia, se você não cultua Exu é como se você não tivesse religião naquele universo.

Naquele universo, se você não cultua Exu tudo vai dar errado na sua vida, esse é o paradigma, esta é a convicção de quem acredita que: “Se você tem uma religião, você tem uma proteção espiritual. Se você não tem religião, você não tem uma proteção espiritual”.

Dizer que não cultuar Exu faz com que tudo dê errado na sua vida é a mesma coisa que dizer: “se você não tem religião, tudo dá errado na sua vida” e não ter religião é correspondente a não ter valores porque a religião não era vista da mesma forma que é vista hoje, a religião tribal é uma religiosidade natural.

Dentro de uma cultura antiga e tribal, ter religião não significava fazer parte de um Templo, ter religião, tanto para o africano quanto para o índio, não quer dizer que você é adepto desta igreja ou daquela, que hoje em dia muito mais parece time de futebol, não é? Qual é o seu time? Meu time é esse, o dele é o outro e há briga porque o meu time é melhor do que o seu.

Quando você nasce numa cultura tribal, você não tem outra opção, ter religião não é fazer parte de um Templo, ter religião é ter valores, ter religião é você reconhecer a espiritualidade como um fato, ter religião é cultuar as forças divinas e sagradas, cultuar as forças da natureza e estamos falando de uma religiosidade natural do culto de Orixá que está distante das religiões abstratas e “mentalistas”, estamos falando de religiões de culto à natureza em que todos os valores são naturais, em que todas as expressões de vida são expressões naturais, por isso a relação fálica é algo natural com a questão do vigor, da força, da vitalidade, e por isso Exu não tem nada a ver com diabo, com demônio, com tinhoso, com belzebu, seja lá o que for.

O diabo Católico é uma colcha de retalhos, no Judaísmo você não tem a figura de Lúcifer, essa é uma figura que vai aparecer no Catolicismo de forma tardia, no Catolicismo primitivo não existia Lúcifer.

No Judaísmo – e Jesus era judeu – existe uma figura chamada satanás – satanás é uma palavra que quer dizer o “opositor” – qualquer pessoa que se opõe a sua verdade é um satanás, essa é a questão.

Quando Jesus vai para o deserto e aparece um satanás a ele, é um opositor, é alguém que vem tentar Cristo e ele oferece o poder, ele oferece várias coisas a Cristo e Cristo disse: “Que nem só de pão vive o homem”, de qualquer forma Cristo está ali para ser tentado.

Aquele que vai testar os seus valores é o satanás (opositor). Qualquer um pode ser.

A ideia de diabo, satanás, de um diabo que se opõe a Deus como um “Anjo caído”, é algo que está próximo a ideia Zoroastrica, em que o mundo era dividido entre Deus e o diabo: Ormuz e Arimã, uma visão maniqueísta de mundo, porque ou as coisas são boas ou as coisas são ruins, isso é uma visão que foi cultivada pela igreja Católica porque o diabo foi manipulado de forma intelectual, ele foi usado para converter, para colocar medo nas pessoas.

Lúcifer é uma criação Católica, o Anjo caído, da forma como se conhece, é uma criação Católica, o “capeta” “aquele que usa uma capa” / “satanás” é o “opositor” é o que aparece no Islã. No Judaísmo você tem o Anjo da Morte, ele está a serviço de Deus. Na cultura Nagô Yorubá não existe diabo, não há satã.

Na Umbanda também não existe diabo.

Exu Orixá é uma divindade, nem todos os Terreiros cultuam Exu como Orixá, mas cultuam a entidade Exu, os “nossos” Exus, as linhas de trabalho de Exu, os Exus guardiões do Terreiro, que têm nomes em português: “Seu Tranca Ruas”, “Seu Capa Preta”, “Seu Sete Encruzilhadas” “Seu Maioral”, “Seu Cobra Negra”, “Seu Quebra Osso”, “Seu João Caveira”, “Seu Tata Caveira”, “Seu Sete Montanhas”, “Seu Sete Ossadas”, “Seu Tiriri”, “Seu Marabo”, são Exus entidades, são espíritos, eles não são o Orixá, mas eles trabalham na força do Orixá Exu. Nada nos impede de cultuar o Orixá Exu, mas é preciso ter uma visão Umbandista do Orixá Exu.

Precisamos desenvolver uma visão Umbandista para nos relacionarmos com o Orixá Exu, como eu me relaciono com o Orixá Exu? Da mesma maneira que eu me relaciono com o Orixá Oxalá, Oxum, Oxóssi, Xangô, Obaluayê, Nanã, Yemanjá.

Eu posso acender velas para todos os Orixás, se existe um Orixá chamado Orixá Exu, eu também posso acender uma vela para o Exu. O que agrada Exu? Aqueles elementos que eu ofereço para as linhas de trabalho, pra entidade Exu, são elementos que agradam ao Orixá Exu que estão na força do Orixá Exu.

Eu posso oferecer para o Orixá Exu uma vela, um copo de pinga e um charuto, isso já é um agrado para o Orixá Exu.

 No assentamento do Orixá Exu, na firmeza do Orixá Exu, pode se colocar uma pedra preta ou uma pedra chamada “laterita vermelha” conhecida como “Iangui” é a pedra do Orixá Exu.

 Pode-se oferecer uma pedra de Iangui ou uma pedra preta, um copo de pinga ou você compra uma quartilha de barro – a quartinha de barro é a quartinha de Exu, é a quartinha que se usa para o Orixá Exu – coloca pinga nessa quartinha, fecha a quartinha.

 O que isso quer dizer?

 Quer dizer que aquilo é um recipiente sagrado, é uma quartinha e que aquela bebida é a bebida do Orixá Exu, coloca-se uma vela do lado oferece um charuto e saúda: “Laroyê Exu. Exu é Mojubá” e bate palma três vezes – bater palmas quer dizer “bater paô”. “Paô” é uma palavra que significa unir, juntar – então, os dedos da palma direita batem no meio da palma esquerda “Laroyê Exu. Exu é Mojubá”, você faz isso três vezes, “Laroyê Exu. Exu é Mojubá” (bate paô), “Laroyê Exu. Exu é Mojubá” (bate paô), essa é a saudação batendo paô, ofereça uma vela, pinga numa quartinha de barro e faça os seus pedidos pra esse Orixá.

Onde fica a firmeza de Exu?

 Ou fica na porta de entrada da casa ou do lado de fora.

 Por que do lado de fora?

 Porque Exu é o Orixá que me protege do que vem de fora, Exu me protege do que vem do externo.

Há pouco tempo estamos entendendo Exu a partir de um olhar Umbandista, de uma leitura Umbandista, de uma interpretação Umbandista para nos relacionarmos com esse Orixá da mesma forma que nos relacionamos com os outros todos que é um poder, uma força, uma energia, uma presença, Exu é nosso pai, nosso melhor amigo e é ele que dá sustentação a todas as linhas de Esquerda, a todos os Exus que trabalham junto aos Terreiros de Umbanda.

Anna Pon
Maio/2015


Texto baseado no curso de Teologia de Umbanda Sagrada – Desenvolvido por Rubens Saraceni – Ministrado por Alexandre Cumino -