Exu é uma divindade como todas as outras, todas as divindades tem origem em Deus, mas a origem cultural de Exu é Africana, Nagô Yorubá.
Na África, os Orixás aparecem na cultura Nagô Yorubá, cultura essa que fala a língua dos Orixás e que é a língua Yorubá, é uma cultura mitológica que explica o mundo, a religião, a fé, a forma de se relacionar com o sagrado, tudo é explicado por meio de mitos – os mitos são relatos.
Relatos estes que nos dão pistas de como entender a vida, entender as coisas por meio do auxílio de arquétipos e das divindades que se manifestam por esses arquétipos. A região que corresponde a essa cultura é a região da Nigéria, no passado cada Orixá tinha uma nação correspondente, uma cidade na qual ali estava o seu culto.
O culto de “Oxalá”, de Obatalá, que é Oxalá, o culto de Oduduá estava na cidade de Ifé – Ilê Ifé; o culto de “Xangô” e de “Yansã” estava em Oyó; o culto de “Oxum” estava em Ijexá; o culto de “Ogum” estava em Irê; o culto de “Oxóssi” estava em Ketu e o culto de “Exu” estava em todos os lugares.
Na África existiam Templos dedicados aos Orixás em cada lugar, mas Exu ninguém sabe dizer qual a cidade ou a nação original ao culto de Exu porque Exu é cultuado em todas as nações, Exu é cultuado em todos os lugares.
Exu é tão importante, que nos mitos, nas lendas, até Oxalá deve oferendar Exu antes de realizar algo e isso é descrito no mito fundante da cultura Nagô Yorubá em que Olorum ou Olodumare que é Deus, chama Oxalá e lhe dá a incumbência de criar o mundo, lhe dá o saco da criação e Oxalá sai do Orum que é o céu para o Ayê que é a Terra com o saco da criação nas mãos.
Oxalá está saindo do Orum para o Ayê então ele está, vamos imaginar esse movimento, saindo do Ayê e descendo para o Orum, vamos imaginar que isto é uma descida vertical, em algum momento há um limiar em que se separa o que está no Orum daquilo que está no Ayê, o que está em cima, o que está embaixo.
Graficamente falando, porque no espaço não há o que está em cima, o que está embaixo. Você precisa ter a terra, o chão, a gravidade e um ponto de referência, mas, aqui temos duas coisas, uma relativa à outra: Orum e Ayê.
E alguém sai do Orum para o Ayê, Oxalá faz a descida para o Ayê, se é uma descida, na vertical, ele cruza o limiar que está na horizontal. Imagine que a descida na vertical de Oxalá cruzando o limiar, ali faz surgir um ponto na criação que é uma encruzilhada, ali já está Exu.
Por isso que se diz “Oxalá é o mais velho dos Orixás”, mas, no momento em que ele faz essa ida do lado interno da criação/do céu/do Orum para o Ayê, ele que é o mais velho se depara com Exu que já estava lá.
Exu é o mais controverso dos Orixás, se diz que “Ele pega hoje, a pedra que vai tacar amanhã”. Exu faz o certo ficar errado e o errado ficar certo porque ele lida com a nossa dualidade, com a dualidade humana. E ali Oxalá sai com o saco da criação e Exu que é “Senhor da Encruzilhada” que está lá vendo Oxalá passar, Oxalá talvez por ser muito velho, talvez por ser o primeiro, talvez por ser o mais esquecido dos Orixás não fez oferenda a Exu.
Exu, que é também “Senhor da magia”, fez com que Oxalá tivesse muita sede e ali, onde Oxalá vai criar o mundo, Exu coloca uma palmeira e Oxalá fura a palmeira para beber o liquido que está lá dentro, Exu colocou vinho e Oxalá se embriaga desse vinho.
Exu toma o saco da criação.
Quando Oxalá acorda, o mundo está criado porque uma dormidinha de Oxalá deve durar milênios e vai até Olorum e diz: “Senhor, meu Pai, veja o que me aconteceu” – isso é mito, isso nunca aconteceu historicamente, isso é um mito pra ensinar coisas sobre os Orixás, pra dar mensagens sobre os Orixás, é para lhe dizer que se até “Oxalá precisa oferendar Exu antes de realizar uma empreitada por que é que você não vai oferendar?”.
É para lhe dizer que “Exu”, esse Orixá que sofre um preconceito terrível, é um Orixá assim como os outros, da mesma estatura, do mesmo escalão, da mesma altura, do mesmo tamanho, da mesma importância, com os mesmos valores que Oxalá, Oxum, Osóssi, Xangô, Obaluayê, Nanã, Yemanjá e que ele já estava lá no primórdio dos tempos, antes que existisse o tempo e o espaço, antes do mundo existir, Exu já estava lá junto de Oxalá. Ele é “senhor das Encruzilhadas”, “Senhor dos mundos”, ele é o “Senhor da magia”.
Olorum diz a Oxalá: vou lhe dar a incumbência de criar os homens, você se estabeleça na terra e ali você vai criar os homens do barro, Oxalá vai criar o homem e a mulher do barro.
Daí se diz que Oxalá faz o homem e a mulher de barro e coloca no forno, é dito que ele ainda estava um pouco embriagado, por isso que tem um que sai mais escurinho, outros menos queimadinhos, outros mais clarinhos, mais gordinhos, outros mais magrinhos porque Oxalá ainda estava meio embriagado e é um tabu a relação de Oxalá com bebida alcóolica, é uma maneira de explicar, de relacionar ou dizer “bebidas alcóolicas não combinam bem com a energia de Oxalá.
Oxalá se estabelece e começa a criar os homens a partir do barro, todos os Orixás visitam Oxalá porque Oxalá é importante na cultura Africana, o mais velho é muito respeitado, todos vão visitar o mais velho, todos visitam, todos os Orixás visitam Oxalá pra aprender um pouco, pra absorver a sua sabedoria, mas Exu chega à casa de Oxalá “de mala e cuia”, Exu chega para morar com Oxalá e isso nos mostra que Oxalá é Orixá do perdão, ele recebe Exu de portas abertas como igual, como um irmão.
E Exu se oferece pra trabalhar com Oxalá porque se todos vão visitar Oxalá pra aprender alguma coisa, Exu vai morar com Oxalá pra aprender mais do que todos os outros porque Exu é muito sabido, Exu é muito esperto, ele vai morar com Oxalá até ao ponto de que Oxalá fica tão agradecido a Exu que Oxalá diz assim, olha: “Antes de chegar à minha casa por esse caminho tem uma encruzilhada, eu vou lhe dar aquela encruzilhada de presente, ninguém mais chega à minha casa sem passar por aquela encruzilhada. Agora você mora na encruzilhada”, então Exu que já é o “Senhor das Encruzilhadas dos mundos” ganha a encruzilha de Terra, a encruzilhada na Terra de Oxalá.
A encruzilhada simboliza os momentos na nossa vida em que nós estamos sem saber por aonde ir e nesses momentos Exu está lá.
Oxalá dá a encruzilhada pra Exu e agora ninguém chega à casa de Oxalá sem passar pela casa de Exu e ninguém visita um Orixá, que é alguém muito importante, sem levar um agrado, uma prenda, um presente – agrado pra Orixá é oferenda – então, ninguém mais chega à casa de Oxalá sem oferendar Exu.
O correto é: sempre que for fazer algo pra qualquer Orixá antes fazer um agrado pra Exu, fazer uma oferenda pra Exu.
Exu é aquele que abre os caminhos, é aquele que transporta o axé, que potencializa que dá força, vigor, energia.
Exu guarda a encruzilhada dos mundos, a encruzilhada da vida, a encruzilhada do caminho.
. Diz ainda esse mito que Orumilá, “Senhor de Ifá”, da revelação, queria um filho homem e vai a casa de Oxalá e Oxalá diz que não tem, que não fez ainda um filho para Orumilá. Então, Orumilá diz “Eu quero como filho aquele que está na encruzilhada” e Oxalá ainda diz “Não, você não vai querer aquele”, ele diz “Eu vou querer aquele” e é Exu.
Oxalá diz “Passe pela encruzilhada, coloque a mão na cabeça dele e vá pra sua casa e encontre uma de suas esposas – que Orumilá tinha muitas esposas, a cultura Nagô é uma cultura onde normalmente os homens tinham muitas mulheres e ai com uma das suas esposas ele tem então um filho e nasce Exu na casa de Orumilá.
Exu nasce na casa de Orumilá sem sair da encruzilhada de Oxalá, Exu está na encruzilhada de Oxalá sem ter saído das encruzilhadas dos mundos, Exu se multiplica, Exu é múltiplo – são muitos.
E Exu nasce com uma fome voraz, Exu é a boca coletiva, ele fala por todas as bocas e ele come por todas as bocas, por isso ele é a boca coletiva, ele tem fome e ele come tudo que tinha pra comer.
Orumilá não sabe mais o que fazer e consulta o oráculo, consulta Olorum, Olorum lhe diz pra voltar pra casa fazer uma oferenda pra Ogum e voltar pra casa com a espada. Quando ele chega a casa, Exu comeu tudo o que tinha de comer, depois começou a comer tudo mais que ali havia, comeu porta, comeu janela, comeu parede, comeu cadeira, comeu tudo, devorou, engoliu aquela realidade inteira e comeu a mãe, engoliu a mãe e Orumilá fica furioso, vai atrás de Exu e persegue Exu por todos os Oruns, são nove Oruns.
Exu fugiu para o Orum, ou seja, nove céus e Exu em cada Orum que passa, vai se multiplicando e os outros Orixás estão nos Oruns, Exu passa por Xangô e ai fica “Exu de Xangô”, passa por Yemanjá e ali fica “Exu de Yemanjá”, Exu passa por Oxóssi e ali fica “Exu de Oxóssi”, Exu passa pela porteira e fica ali “Exu da Porteira”, passa pela porta fica “Exu da Porta”, Exu entra por um caminho e ali surge “Exu dos Caminhos”, Exu entra na mata surge “Exu da Mata”, Exu entra na cachoeira surge “Exu da Cachoeira”, Exu se multiplica, pra tudo existe Exu e Exu vai pulando primeiro Orum, para o segundo, para o terceiro, Exu coalha todos os Oruns.
Há Exu pra tudo que existe, pra cada qualidade divina, pra cada divindade, pra cada situação da vida há Exu e Orumilá encurrala Exu com a espada em seu gargomilo, no cantinho do Orum e Exu diz “Não papai, não papai, não me mate, eu lhe devolvo a mamãe”, então Exu devolve a mamãe - que nessa lenda é Oxum, em outras lendas são outras mães – e aí Orumilá fica agradecido e diz pra Exu: “Meu filho, agora meu irmão, meu amigo” Exu é o melhor amigo de Orumilá - Isso é uma lenda, um mito, Orixá não briga, não existe briga de Orixá, cada mito tem uma lenda, uma discussão que é pra você aprender alguma coisa, não é pra você achar que Orixá briga.
Orumilá diz: “Estou muito agradecido a você Exu, lhe quero bem, você é meu melhor amigo, vou lhe dar um oráculo, vou lhe dar o Merindelogun – que quer dizer o “jogo dos dezesseis”, aqui no Brasil é o “jogo de búzios” – vou dar pra você o jogo de búzios – porque o jogo de Ifá é de Orumilá, o “Oráculo de Ifá” – vou lhe dar o jogo de búzios para que você Exu possa se comunicar com os homens, sempre que alguém quiser saber alguma coisa sobre nós, as divindades, sempre que alguém quiser saber sobre presente, passado e futuro, essa pessoa pode jogar os búzios e é você Exu quem vai mexer nos búzios, você que vai responder, você também a partir de agora, Exu, é também – e não “apenas” – mensageiro dos Orixás.
Exu não é apenas “mensageiro dos Orixás”, Exu não é “office boy” dos Orixás, Exu não é carteiro dos Orixás, Exu não é menino de recado dos Orixás. Exu é uma divindade que também é mensageiro dos Orixás porque Exu é benevolente, porque Exu é querido, porque Exu é aquele que quer ajudar, que se dispõe a ajudar, mas que está o tempo todo lidando com o ego do ser humano.
Em todas as lendas há algo que diz respeito ao ego, o ego é humano, a divindade, quando numa lenda reflete o ego, a vaidade é simplesmente pra mostrar, pra dar um recado pra nós encarnados de como lidar com essas questões. Mas, Oxum fica enciumada – é lógico que a divindade não tem ciúmes, mas as filhas de Oxum têm no negativo, bastante ciúme – fica enciumada porque você deu isso a Exu e pra mim? O que tem pra mim, pra me ofertar, pra me agradar? Então, Orumilá diz “Eu darei a você e em sua homenagem, a todas as mulheres a liberdade, o direito de jogar o jogo de búzios”, é por isso - por Oxum - é que as mulheres podem jogar o jogo de búzios também é dito que as filhas de Oxum têm uma relação especial com as questões oraculares.
Estas são lendas pra explicar quem é Exu / o que é Exu / quem é Orixá Exu na cultura Africana Nagô Yorubá. Tudo se explica por meio de lendas, então são lendas e mitos que vão dizendo: porque tem esse valor / porque tem aquele valor, que vão explicar quem é o “Orixá Exu”.
Há uma lenda que diz que todos os Orixás estavam em festa e tudo dava errado naquela festa, as comidas que iam sendo preparadas não ficavam boas, as pessoas discutiam, brigavam no ambiente, tudo dava errado. Então, alguém foi consultar o Oráculo de Ifá e questionar “Por que é que as coisas dão errado”?, a resposta foi: “ tudo dá errado porque Exu não foi convidado”, Exu está do lado de fora - mais uma vez ressaltado “Senhor da magia” – ele está fazendo isso para que tudo dê errado porque vocês não convidaram Exu.
Isso é um mito, uma lenda, uma historinha pra dizer “Você não deve dar uma festa sem antes convidar Exu”. E daí vem outro conceito em que algumas pessoas dizem que “despacha Exu” – “despachar” é mandar embora – então, alguns dizem “Você deve despachar Exu pra ele não atrapalhar”, é justamente o contrário. Nessa lenda Exu atrapalha porque ele não foi convidado a entrar, nós não despachamos Exu no sentido de “mandar embora”, porque se criou o conceito de que Exu atrapalha você manda ele embora. O que atrapalha é você não conhecer Exu, o que atrapalha é você não ter a força de Exu, o que atrapalha é você não ter a proteção de Exu.
Antes de qualquer coisa nós oferendamos Exu, nós saudamos Exu “Laroyê Exu. Exu é Mojubá”, esta é a saudação, a maneira correta de se dizer: “Laroyê Exu. Exu é Mojubá” ou “Mojubá” – “Laroyê” quer dizer, essa palavra não é traduzida ao “pé da letra”, “Laroyê” quer dizer: “Acorda Exu” / “Vamos trabalhar Exu” / “Olha por mim Exu” / “Me guarda Exu”. E “Mojubá” quer dizer: “Eu me curvo perante o seu poder, perante a sua força”, é, dizer “Eu me curvo” é mesma coisa que dizer “Você é grande” / “Você é importante”, por isso alguns dizem “Exu é Mojubá” que quer dizer “Exu é grande” / “Exu é importante” / “Senhor de força, de poder”.
Nós não mandamos Exu embora, nós chamamos Exu pra junto, pra nos proteger, pra nos guardar. Ele lida com a dualidade humana e para isso, há outra lenda Nagô Yorubá que diz que dois amigos trabalhavam a terra, eram vizinhos de propriedade e os dois eram trabalhadores que cuidavam da terra, que plantavam que aravam e etc.
Para eles nada mais importava na vida, apenas a sua amizade de um para com o outro, havia também um ego, um egoísmo, uma idolatria daquela amizade, uma questão humana.
Diz a lenda, que os dois estavam trabalhando, Exu passou na divisa das propriedades, Exu passou entre os dois amigos com um chapéu na cabeça: metade branco, metade vermelho. Aí um amigo falou para o outro: “Você viu esse homem que passou aqui? Que ousadia passou no meio da nossa propriedade, esse homem com esse chapéu branco” e o outro disse “Não, ele estava vestindo um chapéu vermelho”, “Não, o chapéu era branco”, “Não, o chapéu era vermelho”, eles começaram a discutir porque um viu um lado de Exu branco e o outro viu o outro lado de Exu vermelho.
E eles discutiram porque um foi incapaz de olhar pelo ponto de vista do outro.
Quando você é incapaz de olhar pelo ponto de vista do outro, você está sendo egoísta, você tem uma visão unilateral das coisas e aí é que Exu entra que Exu lida com o ego, com o apego e ele vai mexer com você, ele vai te perturbar, ele não vai perturbar a paz das pessoas, Exu não vai perturbar o que é sagrado, o que é divino, o que é bom, Exu não vai perturbar a sua luz, Exu não vai perturbar aquilo que você tem de bom, Exu vai perturbar o seu ego, o seu apego, Exu vai perturbar as suas trevas interiores, Exu vai lhe tirar do comodismo, desse lugar comum, Exu vai lhe fazer tremer pra você perceber que deve se mexer, sair dessa zona de conforto e entender que a vida é mais, ele é descrito como aquele que perturba aquele que tira a paz, como aquele que é encrenqueiro.
Ninguém arruma encrenca com quem quer a paz, dois não brigam se um não quer, Exu entra onde está o ego do ser humano, é isso que as lendas de Exu tentam mostrar, Exu é o melhor amigo de Orumilá.
Existe ainda outra lenda de Exu contada pelo professor, doutor King no livro sobre lendas de “Odu” e na primeira lenda de Odu, ele conta que Orumilá tinha um filho chamado “Igun” – não é “Egun” e não é “Ogum – chamava-se “Igun”. E que esse filho tinha problemas de saúde, e que Orumilá pediu pra Igun que ele fosse para o Ayê, ali ele ficou morando numa encruzilhada atrás de uma moita e todo dia um sacerdote de Ifá fazia uma oferenda pedindo sorte e ele fazia a oferenda pedindo: “Que a sorte venha pra mim, que a sorte venha pra mim”, cada dia que ele fazia uma oferenda, Igun que estava ali escondido comia - porque a oferenda era feita de comida, gostosa, quentinha, cheirosa – e quando o sacerdote ia embora, Igun comia os elementos da oferenda e cada vez que ele comia, ele se curava, ele ia se curando.
Isso é pra dizer que tudo aquilo que você pede de bom pra você é compartilhado com quem está junto de você, ao seu redor, próximo. O sacerdote pedia a sorte “Que a sorte venha pra mim”, Igun ficou totalmente curado comendo as oferendas do sacerdote, o que diz que aquelas oferendas são sagradas e divinas.
Igun volta para o Orun e fala para Orumilá “Papai estou curado”, “O que aconteceu com você?”, “Eu me alimentei das oferendas daquele sacerdote e fui me curando” e ele disse “Então, leve presentes pra esse sacerdote”, “Leve pra ele, pra esse sacerdote, a fertilidade, a riqueza, a longevidade e você vai levar a paciência”, “Leve esses presentes para esse sacerdote e diga para ele escolher um” E quando ele chega, Igun vai encontrar o sacerdote e diz para o sacerdote o que aconteceu, diz que se curou e conta para o sacerdote “Meu pai mandou para vós: fertilidade, meu pai mandou para vós riqueza, meu pai mandou para vós longevidade e meu pai mandou a paciência pra você escolher um desses presentes”, então o sacerdote diz: eu não posso escolher isso sozinho, isso é muito importante. Eu preciso consultar os meus filhos, as minhas mulheres, os meus irmãos e o meu melhor amigo.
Esse sacerdote é Orumilá, o seu melhor amigo é Exu.
Igun levou quatro presentes pra Orumilá, o sacerdote.
Ele convida Igun para ir para sua casa, chegando lá ele diz “Mulheres, minhas mulheres aconteceu assim, assim, assim e agora tem aqui quatro presentes.
Qual eu devo escolher? Eu não posso escolher sozinho, eu vim perguntar a vocês. Qual presente eu devo escolher?”, as mulheres dizem “Escolha a fertilidade porque nós queremos ter muitos filhos com você”, então ele se vira para os seus filhos e pergunta “Meu filhos, o que eu devo escolher?”, eles dizem “Papai, escolha longevidade para o senhor viver muitos anos com a gente”, ele continua sem saber.
Ele pergunta para os seus irmãos “Meus irmãos, qual presente eu devo escolher?” e os irmãos dizem “Escolha a riqueza pra poder dividir com a gente” e ele continua sem saber, então ele chama seu melhor amigo Exu “Meu querido amigo, meu irmão de caminhada, você é quem eu mais confio e que nesses milênios se mostrou a pessoa mais sábia que eu conheço, me diga o que eu devo escolher do que tem aqui: longevidade, fertilidade, riqueza e paciência”, Exu diz “Meu amigo, escolha a paciência” e todos ficaram perplexos “Paciência?” e Exu diz então “Sim. Porque diga a suas mulheres que você já tem filho suficiente, diga a seus irmãos que eles que vão trabalhar para que cada um conquiste o seu próprio dinheiro e diga para os seus filhos que nada mais triste que um pai viver mais e muito mais do que todos os seus filhos.
E escolha a paciência porque essa é a maior das virtudes e que vai torná-lo o melhor e o maior dos amigos, o melhor e maior pai, marido e irmão, pra todas as pessoas. Algo que o dinheiro, a fertilidade e a longevidade não vão lhe dar” e Igun fica perplexo “Com todos esses presentes, você quer escolher a paciência?”, então, ele vai embora, Igun vai embora levando os outros presentes, ele deu a paciência pra Orumilá e ele vai embora levando os outros presentes consigo.
Essa lenda é pra dizer que Exu lhe dá a “paciência”, que muitas vezes você pede dinheiro, pede outras coisas e às vezes o que Exu tem para oferecer é o contrário do que a maioria das pessoas pensa, Exu tem para oferecer a “paciência”. E vamos entender por que Igun está indo embora com os presentes e diz que, no meio do caminho, a riqueza fala “Igun, Igun, Igun” Igun se assusta, a riqueza fala, está falando com ele “Igun, cadê a paciência?”, “A paciência ficou com Orumilá”, “Ah então eu não vou voltar para casa, eu vou descer dessa sacola e vou lá ficar junto com ele porque sem paciência não tem riqueza”.
Igun vai embora com os outros dois, no meio do caminho a longevidade fala “Igun, Igun onde é que está a paciência?”, ele diz “A paciência está com Orumilá”, “Ah mais sem paciência não tem longevidade”. Mais pra frente se diz (“Igun cadê a fertilidade?”) “Cadê a paciência? a fertilidade diz”, “A paciência está com Orumilá porque sem paciência não tem fertilidade”. Igun volta para casa de Orumilá e diz “Olha, meu pai o que aconteceu” e o pai diz “Está certo meu filho. Quem escolhe riqueza fica só com riqueza, quem escolhe fertilidade fica só com fertilidade, quem escolhe longevidade fica só com longevidade, mas, quem escolhe paciência leva tudo porque quem tem paciência conquista
tudo na vida”.
Exu ensina a “paciência”, isso tem um sentido maior ainda, o sentido maior é: “Quem caminha com Exu deve ter paciência, deve ter muita paciência, mas, muita paciência” Porque paciência aqui é sinal de “confiança”, “tranquilidade”, “esperança”. Tem paciência aquele que confia em Exu, quem caminha com Exu, quem acredita em Exu, quem tem Exu junto de si pode dizer que tem um amigo que vai lhe ajudar a resolver todas as situações da sua vida. Então, você tem problemas? Você tem dificuldade? Você tem situações na vida que vão acabar com sua paciência? Não, se você tem Exu a lhe acompanhar. Se você tem confie a ele a suas dificuldades, os seus problemas e aqueles que não forem resolvidos estão na sua vida para que você aprenda alguma lição.
Não há porque perder a paciência, perder a tranquilidade, perder a sua paz, Exu lhe dá paz, tranquilidade, paciência, Exu caminha junto de você, Exu é e deve ser o seu melhor amigo.
“Orixá Exu” que nos protege, que nos guarda, que nos guia. É um Orixá muito antigo, é uma divindade cultuada há milênios na África, numa cultura totalmente diferente da cultura Ocidental, totalmente diferente da cultura Judaico-cristã.
Exu é “Senhor da fertilidade, do vigor, da vitalidade, da energia”.
Na cultura Nagô Yorubá não existe demônio, não existe diabo na cultura Nagô Yorubá. Exu jamais poderia ser o diabo porque não existe o diabo, Exu é uma divindade. Ele é dual porque ele lida com os aspectos da dualidade na criação, com o ego, com o ser humano, mas não é diabo porque não existe diabo naquela cultura, porque não é uma cultura dualista em que tudo pertence a Deus ou ao diabo.
Exu é uma divindade da cultura Nagô Yorubá que desde que o Cristão pisou naquela terra – e lembre se bem: esse Cristão pisou naquela terra pra escravizar o negro, afirmando que a África era o inferno na Terra e que escravizar o negro era uma benção para o negro porque o corpo ficava escravo, mas eles eram todos batizados e sua alma iria ficar livre em algum momento da eternidade e escapar do inferno – então, são teorias criadas pra justificar o erro, pra justificar a sede de poder.
E na história da igreja Católica, em que a gente conta a “Cruzada”, a gente conta a “Inquisição”, a gente conta a dominação Católica, toda vez que a igreja Católica se deparava com outra religião, ela chamava as divindades daquela outra religião de demônios. Isso é uma receita antiga “demonizar” a religião alheia é uma receita muito antiga e que nós vemos até hoje.
Há quem faça hoje uma “neo-demonização” – “neo” de novo – uma nova maneira de fazer a mesma coisa que sempre fizeram: “demonizar o outro”. É uma receita antiga dizer que o Deus do outro é o demônio, a divindade do outro não é divindade, que você cultua aquilo que não é virtuoso, isso é muito antigo.
E aí começou a demonização de Exu e desde essa época até hoje ainda é uma dificuldade enorme pra muitas pessoas entenderem o que seja Exu, por isso Exu é o ponto forte e o ponto fraco nas religiões afro-brasileiras e é ponto forte e ponto fraco na Umbanda.
Se você conhece Exu, você tem essa força para lhe amparar, se você não conhece, além de não contar com essa força, como deveria você que está frágil porque não tem como se defender, como explicar, como entender um mistério da criação, que está aí a seu favor pra lhe amparar, pra lhe guardar, pra lhe proteger, pra lhe dar força, falar sobre ele?
Na cultura Nagô Yorubá, a única opção de religião que havia era a “religião de Orixá” e dentro da religião de Orixá não se faz nada sem antes cultuar Exu, quando surge a afirmação: “de que sem Exu não se faz nada” é que pra tudo que você vai fazer Exu é oferendado primeiro, ele é considerado aquele que abre a porta do “axé”, aquele que carrega o “axé”, aquele que dá a força para que as coisas se realizem.
Quanto à outra afirmação de que “se você não oferenda Exu tudo dá errado na sua vida”, essa informação está relacionada ao fato de que dentro de uma religião de Orixá, onde Exu é o primeiro a ser cultuado, se você nasce nesse universo e sua única opção de religião é essa, porque ali era a única religião que existia, se você não cultua Exu é como se você não tivesse religião naquele universo.
Naquele universo, se você não cultua Exu tudo vai dar errado na sua vida, esse é o paradigma, esta é a convicção de quem acredita que: “Se você tem uma religião, você tem uma proteção espiritual. Se você não tem religião, você não tem uma proteção espiritual”.
Dizer que não cultuar Exu faz com que tudo dê errado na sua vida é a mesma coisa que dizer: “se você não tem religião, tudo dá errado na sua vida” e não ter religião é correspondente a não ter valores porque a religião não era vista da mesma forma que é vista hoje, a religião tribal é uma religiosidade natural.
Dentro de uma cultura antiga e tribal, ter religião não significava fazer parte de um Templo, ter religião, tanto para o africano quanto para o índio, não quer dizer que você é adepto desta igreja ou daquela, que hoje em dia muito mais parece time de futebol, não é? Qual é o seu time? Meu time é esse, o dele é o outro e há briga porque o meu time é melhor do que o seu.
Quando você nasce numa cultura tribal, você não tem outra opção, ter religião não é fazer parte de um Templo, ter religião é ter valores, ter religião é você reconhecer a espiritualidade como um fato, ter religião é cultuar as forças divinas e sagradas, cultuar as forças da natureza e estamos falando de uma religiosidade natural do culto de Orixá que está distante das religiões abstratas e “mentalistas”, estamos falando de religiões de culto à natureza em que todos os valores são naturais, em que todas as expressões de vida são expressões naturais, por isso a relação fálica é algo natural com a questão do vigor, da força, da vitalidade, e por isso Exu não tem nada a ver com diabo, com demônio, com tinhoso, com belzebu, seja lá o que for.
O diabo Católico é uma colcha de retalhos, no Judaísmo você não tem a figura de Lúcifer, essa é uma figura que vai aparecer no Catolicismo de forma tardia, no Catolicismo primitivo não existia Lúcifer.
No Judaísmo – e Jesus era judeu – existe uma figura chamada satanás – satanás é uma palavra que quer dizer o “opositor” – qualquer pessoa que se opõe a sua verdade é um satanás, essa é a questão.
Quando Jesus vai para o deserto e aparece um satanás a ele, é um opositor, é alguém que vem tentar Cristo e ele oferece o poder, ele oferece várias coisas a Cristo e Cristo disse: “Que nem só de pão vive o homem”, de qualquer forma Cristo está ali para ser tentado.
Aquele que vai testar os seus valores é o satanás (opositor). Qualquer um pode ser.
A ideia de diabo, satanás, de um diabo que se opõe a Deus como um “Anjo caído”, é algo que está próximo a ideia Zoroastrica, em que o mundo era dividido entre Deus e o diabo: Ormuz e Arimã, uma visão maniqueísta de mundo, porque ou as coisas são boas ou as coisas são ruins, isso é uma visão que foi cultivada pela igreja Católica porque o diabo foi manipulado de forma intelectual, ele foi usado para converter, para colocar medo nas pessoas.
Lúcifer é uma criação Católica, o Anjo caído, da forma como se conhece, é uma criação Católica, o “capeta” “aquele que usa uma capa” / “satanás” é o “opositor” é o que aparece no Islã. No Judaísmo você tem o Anjo da Morte, ele está a serviço de Deus. Na cultura Nagô Yorubá não existe diabo, não há satã.
Na Umbanda também não existe diabo.
Exu Orixá é uma divindade, nem todos os Terreiros cultuam Exu como Orixá, mas cultuam a entidade Exu, os “nossos” Exus, as linhas de trabalho de Exu, os Exus guardiões do Terreiro, que têm nomes em português: “Seu Tranca Ruas”, “Seu Capa Preta”, “Seu Sete Encruzilhadas” “Seu Maioral”, “Seu Cobra Negra”, “Seu Quebra Osso”, “Seu João Caveira”, “Seu Tata Caveira”, “Seu Sete Montanhas”, “Seu Sete Ossadas”, “Seu Tiriri”, “Seu Marabo”, são Exus entidades, são espíritos, eles não são o Orixá, mas eles trabalham na força do Orixá Exu. Nada nos impede de cultuar o Orixá Exu, mas é preciso ter uma visão Umbandista do Orixá Exu.
Precisamos desenvolver uma visão Umbandista para nos relacionarmos com o Orixá Exu, como eu me relaciono com o Orixá Exu? Da mesma maneira que eu me relaciono com o Orixá Oxalá, Oxum, Oxóssi, Xangô, Obaluayê, Nanã, Yemanjá.
Eu posso acender velas para todos os Orixás, se existe um Orixá chamado Orixá Exu, eu também posso acender uma vela para o Exu. O que agrada Exu? Aqueles elementos que eu ofereço para as linhas de trabalho, pra entidade Exu, são elementos que agradam ao Orixá Exu que estão na força do Orixá Exu.
Eu posso oferecer para o Orixá Exu uma vela, um copo de pinga e um charuto, isso já é um agrado para o Orixá Exu.
No assentamento do Orixá Exu, na firmeza do Orixá Exu, pode se colocar uma pedra preta ou uma pedra chamada “laterita vermelha” conhecida como “Iangui” é a pedra do Orixá Exu.
Pode-se oferecer uma pedra de Iangui ou uma pedra preta, um copo de pinga ou você compra uma quartilha de barro – a quartinha de barro é a quartinha de Exu, é a quartinha que se usa para o Orixá Exu – coloca pinga nessa quartinha, fecha a quartinha.
O que isso quer dizer?
Quer dizer que aquilo é um recipiente sagrado, é uma quartinha e que aquela bebida é a bebida do Orixá Exu, coloca-se uma vela do lado oferece um charuto e saúda: “Laroyê Exu. Exu é Mojubá” e bate palma três vezes – bater palmas quer dizer “bater paô”. “Paô” é uma palavra que significa unir, juntar – então, os dedos da palma direita batem no meio da palma esquerda “Laroyê Exu. Exu é Mojubá”, você faz isso três vezes, “Laroyê Exu. Exu é Mojubá” (bate paô), “Laroyê Exu. Exu é Mojubá” (bate paô), essa é a saudação batendo paô, ofereça uma vela, pinga numa quartinha de barro e faça os seus pedidos pra esse Orixá.
Onde fica a firmeza de Exu?
Ou fica na porta de entrada da casa ou do lado de fora.
Por que do lado de fora?
Porque Exu é o Orixá que me protege do que vem de fora, Exu me protege do que vem do externo.
Há pouco tempo estamos entendendo Exu a partir de um olhar Umbandista, de uma leitura Umbandista, de uma interpretação Umbandista para nos relacionarmos com esse Orixá da mesma forma que nos relacionamos com os outros todos que é um poder, uma força, uma energia, uma presença, Exu é nosso pai, nosso melhor amigo e é ele que dá sustentação a todas as linhas de Esquerda, a todos os Exus que trabalham junto aos Terreiros de Umbanda.
Anna Pon
Maio/2015
Texto baseado no curso de Teologia de Umbanda Sagrada – Desenvolvido por Rubens Saraceni – Ministrado por Alexandre Cumino -